Jesus,
Quirino Avelino de
– NACIONALISMO PORTUGUÊS,
– NACIONALISMO PORTUGUÊS,
Porto: Emprêsa Industrial Gráfica do Pôrto, Lda., 1932.
256, [3] p. ; 21 cm
Encadernado; não conserva as capas de brochura.
Bom exemplar.
1ª edição.
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Quirino Avelino de Jesus nasceu no Funchal, na freguesia de Santa Maria Maior, a 10 de novembro de 1865. Convém desde logo deixar patente que, nas diversas obras que referenciamos na bibliografia, são apresentadas três datas diferentes para o nascimento de Quirino de Jesus: 1855, 1865, 1866. A data correta é 1865, conforme consta na certidão de batismo existente no ARM (assento 69, liv. 13 dos Batismos da Paróquia de Santa Maria Maior, ano 1866, fls. 24 e 24v). O batismo teve lugar a 11 de junho de 1866.
Frequentou o Seminário da diocese até ao 2.º ano de Teologia, mas antes de receber as Ordens Menores desistiu da vida eclesiástica, matriculando-se em Direito, na Universidade de Coimbra, depois de concluir os estudos preparatórios no Liceu Nacional do Funchal (1886-87). Concluído o bacharelato em Direito, em 1892, passou a exercer a sua atividade profissional em Lisboa.
Comprometido embora com o Partido Regenerador, de que viria a ser, em 1895, deputado independente por Braga, e depois em 1900 pelo Funchal, nesta data já filiado no partido, milita também no catolicismo político, iniciando em 1893 a sua colaboração no porta-voz do Centro Católico Parlamentar, o jornal Correio Nacional, de que foi diretor entre 1894 e 1897, cargo em que foi substituído, nesta última data, por Fernando de Sousa, “Nemo”, em virtude de divergências com Jacinto Cândido, que fundaria o Partido Nacionalista em 1903. Em 1893, publica As Ordens Religiosas e as Missões Ultramarinas e, em janeiro do ano seguinte, lança a revista Portugal em África, que dirigiu até 1901 e na qual colaborou assiduamente com artigos da sua autoria. Logo no primeiro número da revista, lança a ideia do seu projeto africanista, escrevendo que “a ressurreição duma parte das nossas grandezas e glórias só é possível pela criação dum novo empório lusitano no Continente negro” (MEDINA, 2000, 93).
Em 1896, é nomeado Chefe dos Serviços de Contabilidade da Caixa Geral de Depósitos, função de que virá a aposentar-se. Em 1897, colabora numa proposta de lei sobre a concessão de terrenos nas colónias da autoria do Ministro da Marinha e Ultramar, Henrique Barros Gomes, do Partido Progressista, mas seu parceiro na militância do nacionalismo católico. Em 1901, tendo o Governo do Partido Regenerador, liderado por Hintze Ribeiro, procedido ao encerramento de algumas casas religiosas, por não se dedicarem à beneficência social e ao ensino, de acordo com a lei publicada nesse mesmo ano, que as permitia nessas condições, Quirino de Jesus vai empenhar-se na defesa das Congregações Religiosas, sobretudo através do Correio Nacional, cuja direção retoma entre 1901 e 1902. No entanto, nesta última data, discordando da orientação deste jornal, porta-voz do Partido Nacionalista, que visava o monopólio da atividade política dos católicos, funda o periódico Voz da Pátria, que durou apenas quatro meses, de 9 de dezembro de 1902 a 23 de abril de 1903. Em 1907-1908, colabora no jornal Notícias de Lisboa, afeto ao Partido Regenerador, na luta contra a ditadura de João Franco. Em 1910, nas vésperas da revolução republicana, aquando do conflito entre a revista franciscana A Voz de Santo António, que veiculava o pensamento democrata-cristão, propondo a liberdade de opção política dos católicos, e a jesuíta O Novo Mensageiro do Coração de Jesus, que defendia a concentração política dos católicos num único partido, alinha com a primeira, participando na fundação do jornal Correio do Norte, iniciado por Abúndio da Silva, após a suspensão da revista dos franciscanos de Montariol, em Braga.
Proclamada a República, Quirino de Jesus fixa residência no Funchal. Contudo, em 1915 regressa a Lisboa, onde irá permanecer até à sua morte. Em outubro de 1917, assume a direção da revista O Economista Português, abordando temas económico-financeiros e coloniais. Neste mesmo ano, apoiou o Partido Centrista e empenhou-se na formação do Centro Católico, embora com pouca visibilidade, alinhando com os que defendiam a independência face aos monárquicos. Em 1921, a 15 de outubro, inicia a sua colaboração na revista Seara Nova, com o artigo “O Abismo Económico e Financeiro”, escrevendo o último artigo a 27 de fevereiro de 1926, com o título “Metrópole e Colónias”. Ainda no mesmo ano, escreve também na revista Homens Livres. Em 1924, foi conselheiro económico-financeiro dos ministros das Finanças Álvaro de Castro e Manuel Gregório Pestana Júnior, em governos de feição política diversa. Apoiou o golpe militar de 28 de maio de 1926, que iniciou o Estado Novo, e foi conselheiro político e económico-financeiro de Salazar, estando na origem da redação dos documentos fundamentais do referido regime, como o Ato Colonial de 1930, o Manifesto e os Estatutos da União Nacional (1930 e 1932) e o Projeto da Constituição Política (1932), e de alguns dos discursos do presidente do Conselho. Foi ele ainda quem lançou a ideia da criação estatal dum organismo de juventude, à semelhança das balille fascistas de Itália, que viria a materializar-se na Mocidade Portuguesa. A partir de março de 1930, assumiu os cargos de Diretor do Banco Nacional Ultramarino e de vogal do Conselho Superior das Colónias. Viria a falecer em Lisboa, a 3 de abril de 1935.
Quirino de Jesus foi, em síntese, advogado, publicista de questões económico-financeiras, militante da causa católica (condecorado pela Santa Sé, em 1920, com a Ordem de S. Gregório Magno) e conselheiro político de alguns governantes do país, em especial de Salazar – um mentor de opinião respeitado na elite portuguesa, como o definiu Ernesto Castro Leal (LEAL, 1994, 356). Os estudiosos desta personalidade madeirense têm-no apresentado como uma figura enigmática, utópica, “ziguezaguiante”, manipuladora, manobrando atrás da cortina. No entanto, a utopia de Quirino de Jesus, do 3.º Império em África, depois da Índia e do Brasil, era partilhada por muita gente nos finais do século XIX, como fator de sustentação económica de Portugal (recorde-se a exaltação nacionalista à volta do Ultimatum inglês de 1890 e como dele se aproveitou o Partido Republicano). Quirino tinha um projeto coerente para a resolução da crise económica portuguesa: equilíbrio orçamental, revalorização da moeda, fomento interno da agricultura e protecionismo pautal, assente na nacionalização da exploração colonial.
Deputado, independente, pelo Partido Regenerador, Quirino de Jesus logo colabora com o ministro Barros Gomes, do Partido Progressista (os partidos políticos do século XIX eram sobretudo agremiações à volta duma personalidade carismática, pelo que era frequente a mudança de partido). Sendo embora um homem conservador, da direita política, colabora, como já referido, na Seara Nova, revista democrática e antifascista que, contudo, tem como uma das características mais marcantes o seu ecletismo, acolhendo inclusivamente gente do Integralismo Lusitano, mas também no Correio Nacional. Militante da causa católica, discordava da concentração dos católicos num único partido, e em 1919, perante o conflito interno no Centro Católico, defenderá, como Salazar, a independência desta agremiação política. Carlos Ferrão define como “jesuíta de esquerda” (FERRÃO, 1979, 4) este homem comprometido consigo mesmo, avesso a compromissos redutores da sua liberdade de pensamento.
Relativamente à sua colaboração no Estado Novo, Carlos Ferrão rotula-o de “eminência parda do salazarismo” (Ibid., 6), João Medina define-o como “sombra enigmática de Salazar” (MEDINA, 2000, 92) e António Sérgio como “técnico orientador” do regime (VERÍSSIMO, 1990, 33). Quirino de Jesus atuou, sem dúvida, nos bastidores, como é visível nas cartas e relatórios que enviou a Salazar, apresentando sugestões, relatando conversas com gente crítica da situação política, indicando pessoas para o exercício de cargos, fazendo pedidos e elaborando o rascunho de documentos do novo regime e discursos importantes de Salazar. A divulgação desse seu papel no regime, em Nacionalismo Português, de 1932, terá talvez desagradado ao chefe, e Quirino de Jesus tem um fim de vida apagado, embora Salazar tenha estado presente no seu funeral. Também é provável que o estadista não tenha gostado da carta que Quirino lhe dirigiu, em finais de 1931 ou princípios de 1932 (apesar de no arquivo de Salazar constar erradamente a data de 28 de agosto de 1937), na qual escreveu:
“Se me agrada tudo que crie um pouco de ideal, temo o desenvolvimento excessivo do poder público que considero útil temporariamente mas só num tempo curto. Pouco a pouco faz-se o vazio e não há homens não há iniciativas. A censura é hoje um obstáculo à crítica construtiva. A pretexto de se eliminar a crítica demolidora e mal dizente, matou-se a crítica fiscalizadora, fez-se o silêncio à sombra do qual medram as mediocridades. Já no poder se vê com maus olhos que tratem cientificamente certas questões só porque as conclusões da ciência se não harmonizam com os prejuízos de quem manda. É o abuso do poder, que não tem controle. Isto é mal, é vicioso, desvirtua o espírito público” (COMISSÃO DO LIVRO NEGRO, 1987, 101).
A leitura de Nacionalismo Português não deixa dúvidas quanto à influência de Quirino de Jesus na construção ideológica do Estado Novo, refletida na orgânica da Constituição Política de 1933 e nos discursos de Salazar. No seu entender, o nacionalismo português, invólucro e bandeira do sistema político do Estado Novo, pretendia “organizar a Nação e o Estado, as autarquias, as famílias e as corporações com o espírito da civilização tradicional da Europa e do País, na coexistência do poder forte e das liberdades individuais e bem compreendidas” (Ibid., 122), daí ser “um nacionalismo histórico, racional, progressivo e contrário ao do liberalismo individualista ou socialista” (Ibid., 148), que se apropria de “tudo o que é harmonicamente aproveitável na História, no campo da política e na razão progressiva, para uma coordenação de forças que represente a Nação unida na ação imposta pelo seu destino” (Ibid., 62). Ou seja, um nacionalismo apoiado nas quatro maiores tradições históricas – império ultramarino, catolicismo, corporações e poder concentrado e forte (Ibid., 57-58) –, mas ao mesmo tempo conciliador com a modernidade, ecléctico, aproveitando o que havia de positivo nas outras correntes nacionalistas, católica, republicana e do Integralismo Lusitano, visando “substituir, enfim, o individualismo exótico, anárquico, dissolvente e arruinador pelo nacionalismo natural, unitário, corporativo, colonial e criador da ordem, riqueza e felicidade” (Ibid., 79), mas rejeitando igualmente o nacionalismo da Action Française e do fascismo, que deificam o Estado, monárquico e republicano respetivamente. Em suma: uma conceção de Estado de inspiração e fundamento cristãos, mas com a separação entre os poderes político e religioso, exigida pela modernidade. Note-se a tónica conservadora, colonialista, católica e messiânica do discurso de Quirino de Jesus. Para o autor, liberalismo, socialismo e democracia são produtos exóticos, estranhos ao ADN português, e frutos da mesma árvore, o pensamento revolucionário do século XVIII, já que para o liberalismo “o Estado mais perfeito será aquele em que haja menos mandamentos e proibições”, não passando o socialismo dum “liberalismo personalista e igualitário” em que “o Estado é intervencionista por essência e a colaboração deve ser internacionalista”, obedecendo as duas doutrinas “aos mesmos postulados teóricos e tendências práticas de naturalismo jurídico e moral, no mais íntimo dos quais estão para as duas os Direitos do Homem” (Ibid., 20). Quanto ao socialismo reformista, para Quirino de Jesus o mesmo “não deseja a revolução direta ao mesmo passo que premedita chegar por escala aos fins desta. Desenvolve-se principalmente à custa dos sentimentos e impulsos dos oprimidos, desenraizados e aventureiros” (Ibid., 24-25), acabando por citar a definição de democracia de Mussolini: “podem ser definidos regimes democráticos todos aqueles em que de tempos a tempos se dá ao povo a ilusão de ser soberano” (Ibid., 39).Relativamente à questão do alargamento da autonomia dos arquipélagos atlânticos, muito debatida, na Madeira, entre o final de 1922 e o início de 1924, o posicionamento de Quirino de Jesus (VERÍSSIMO, 1990, 35), divulgado no jornal A Pátria, do Porto, e na revista Seara Nova, de Lisboa, teve acolhimento no Correio dos Açores, de Ponta Delgada, onde foram transcritos alguns artigos, mas a imprensa da Madeira limitou-se a noticiar a publicação de alguns deles. A proposta de Quirino de Jesus para o alargamento da autonomia que defende tem na sua base uma perspetiva económico-financeira: a Madeira deveria ter uma moeda própria, para escapar à tendência inflacionista nacional, e uma maior descentralização administrativa, para poder usufruir de mais receita, que ultrapassava a despesa, e possibilitar o seu desenvolvimento económico, com uma maior solidariedade do Estado, apostando forte no turismo. Propõe a eliminação dos distritos insulares, substituindo-os por duas províncias, tendo por capitais o Funchal e Angra do Heroísmo, administradas por um Governador Civil, com amplos poderes, nomeado pelo Governo nacional, uma Junta Geral e um Conselho de Governo. O seu posicionamento face à Questão Hinton é nebuloso. Começa por ser advogado desta firma inglesa, sediada no Funchal, defendendo a cultura da cana sacarina na Madeira. Mais tarde, insurge-se contra o monopólio do Hinton, extinto em 1919, acabando por considerar prejudicial o cultivo da cana para a economia madeirense.
(...)
Artigo de Gabriel Pita