Coelho, João Paulo Borges
- PONTA GEA,
Alfragide: Caminho, 2017.
348, [1] p. ; 21 cm - Brochado.
É a primeira e mais persistente lembrança: a água como substância da cidade. Uma água quieta, no mangal como nos capinzais, nos tandos de arroz e nos baldios urbanos cuja noite o monótono som dos grilos trespassava; insidiosa também, na onda paciente que escavava a areia grossa e se espraiava até lamber a raiz torturada das casuarinas, enchendo os corvos de maus presságios e de indignação; e avassaladora, nas chuvadas súbitas e no ar carregado que toldava o horizonte e nos pesava, derrotados, sobre os ombros. Uma água cálida onde nadam todos, aqueles de cujo rasto ainda a espaços me vou apercebendo, e os outros, os que vogam em círculos como peixes aprisionados no aquário do esquecimento.
Excelente exemplar.
1ª edição
€15.00
Iva e portes incluídos.
Escritor moçambicano João Paulo Borges Coelho revê a infância no novo romance
O escritor João Paulo Borges Coelho cedeu à força das memórias da infância, que combinou com a ficção, para escrever "Ponta Gea", o novo romance, ao qual deu o nome do bairro onde cresceu, no centro de Moçambique.
Em 348 páginas, o moçambicano João Paulo Borges Coelho, vencedor do Prémio Leya em 2009, narra os seus tempos de menino na cidade da Beira, no bairro Ponta Gea, pontuados com a imaginação permitida pela ficção, para sintetizar a ideia de que, na infância, a realidade surge fantasiada.
"Na infância, nós somos o centro do mundo e nisso há uma relação profunda entre a forma como olhamos para o mundo e a ficção", disse hoje João Paulo Borges Coelho, em Maputo, na apresentação de "Ponta Gea", que decorreu no Camões -- Centro Cultural Português, na capital moçambicana.
"A perspetiva que os mais novos têm da realidade pode ser encarada como um primeiro momento da ficção", disse o escritor.
Para Borges Coelho, narrar a riqueza de episódios que vivenciou ainda menino, na Beira, com 'pitadas' de ficção, amplia a compreensão de acontecimentos que à época pareciam ilógicos.
"Quando somos mais novos, somos alheios à lei da física", disse o autor de "As Duas Sombras do Rio". "Para nós - prosseguiu -, não faz sentido a relação causa-efeito".
"Nem sempre somos nós a decidir, às vezes, são os temas que se impõem. E este tema já andava comigo há bastante tempo. Compôs-se quase sozinho", afirmou.
A apresentação da obra, destaca que "Ponta Gea" é um livro sobre a infância. O título provém do nome de um bairro da cidade da Beira, erigido em "zona de origem" do autor.
"Composto por quinze textos que se entrecruzam e sugerem uma sequência cronológica, mas que também podem ser lidos isoladamente, não se trata de um livro de memórias da infância, mas de um exercício de ficção, de como o mundo era visto a partir dessa idade em que, como escreveu Proust, 'se acredita que criamos aquilo que nomeamos'", destaca a editora.
João Paulo Borges Coelho venceu o Prémio Leya, em 2009, com o "Olho de Hertzog", e "As Visitas do Doutor Valdez" valeram-lhe o Prémio José Craveirinha, em 2004, a mais alta distinção literária em Moçambique.
Estreou-se no romance com "As Duas Sombras do Rio", em 2003, seguindo-se, desde então, títulos como "Setentrião", "Meridião", "Crónica da Rua 513.2", "Campo de Trânsito", "Hinyambaan", "Cidade de Espelhos", "Rainhas da Noite" e "Água, uma novela Rural"
Borges Coelho sublinhou que a força de uma infância que tinha de ser contada, também em forma de ficção, foi de tal forma inelutável, que o livro "Ponta Gea" se impôs sozinho.
João Paulo Borges Coelho nasceu no Porto, em 1955, mas adquiriu a nacionalidade moçambicana.
Historiador, é professor catedrático da História Contemporânea de Moçambique e da África Austral, na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, e professor convidado, no Mestrado em História de África da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
Tem-se dedicado à investigação das guerras colonial e civil em Moçambique, tendo publicado artigos científicos em Moçambique, Portugal, Reino Unido, Espanha e Canadá.
"Ponta Gea", o 11.º romance do escritor, é publicado em Moçambique pela Editora Ndjira e, em Portugal, pela Caminho, a sua editora habitual, neste país. - DN 7 de Novembro 2017.