Costa, Susana Goulart
- AÇORES:
nove ilhas, uma história,
[Ponta Delgada]: Presidência do Governo
Regional dos Açores, 2008.
288 p. : il. ; 21 cm - Bibliografia.
Bibliografia, p. 277-288
Excelente exemplar.
1ª edição
€20.00 Vendido
Iva e portes incluídos.
(2008) Susana Goulart Costa, Açores: Nove Ilhas, uma história
s/l, Direcção Regional da Cultura.
João Paulo Oliveira e Costa – Centro de História de Além-Mar da Universidade Nova de Lisboa
e da Universidade dos Açores.
Açores: Nove Ilhas, uma história de Susana Goulart Costa é um livro publicado pela Direcção Regional da Cultura em 2008 que nos traça de uma forma sintética, mas clara e elucidativa as principais linhas da História dos Açores desde o seu povoamento até aos nossos dias. Combinando as suas excelentes capacidades de historiadora com a perspicácia de quem vive atenta ao meio que a rodeia, Susana Goulart Costa passa várias vezes de um olhar retrospectivo e de uma análise da contemporaneidade
para um olhar prospectivo sobre o futuro da região. Esta é, certamente, uma das principais qualidades de uma obra que nos revela como a História é, de facto, uma ciência crucial para a compreensão do Mundo e da Humanidade – elucida-nos o Passado, ajuda-nos a compreender o Presente e fornece-nos pistas sobre o Futuro.
O livro está dividido em cinco capítulos temáticos (II a VI) antecedidos por um outro introdutório, relativo às características do arquipélago e à sua entrada na História através do povoamento sob a égide da Coroa portuguesa. Depois são abordadas sequencialmente a Administração, o papel dos Açores na geo-estratégia mundial, a Economia, a Sociedade e a Religiosidade. Sendo um trabalho sintético, contido em 264 páginas, seguido de uma cronologia e de uma bibliografia, este livro apresenta sobretudo linhas evolutivas, que marcaram cada um dos temas referidos na longa duração.
Distingue ainda, e bem, as principais conjunturas e salpica-as de exemplos pertinentes e elucidativos, que não têm um carácter sistemático, mas que são úteis para uma melhor compreensão das dinâmicas do tempo longo e do tempo médio. A autora chama-lhes “fragmentos” (p. 257), mas são, na verdade, pedacinhos que ilustram bem o todo a que estão ligados. Estamos, pois, perante uma grande síntese
para divulgação da História, de leitura acessível para os menos versados em obras historiográficas, mas marcada pelo rigor próprio da Ciência.
O livro é ilustrado com fotografias que cobrem, grosso modo, um período entre 1870 e 1960. Trata-se de um contributo enriquecedor, que nos dá testemunhos vivos de paisagens e de hábitos tradicionais em parte já desaparecidos ou muito transformados.
Com este material iconográfico, o livro ganha sabor e uma outra espessura temporal, ao permitir-nos visualizar outros tempos que nos remetem para um Passado mais distante, mas que também nos mostram práticas já abandonadas ou os primórdios de outras que persistem nos nossos dias.
Açores: Nove Ilhas, uma história proporciona-nos, pois, um retrato fiel do que se sabe e do que se tem feito sobre a História dos Açores. A este propósito é de realçar que a bibliografia utilizada reflecte correctamente o grande dinamismo contemporâneo da historiografia açoriana, que tem sido
impulsionado principalmente pelos docentes de História da Universidade dos Açores, cujos trabalhos constituem parte significativa da bibliografia utilizada. A autora socorreu-se de outro instrumento de trabalho recente, a Enciclopédia Açoriana, disponível on line, e produzida pelo Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa. Este livro é ainda um bom testemunho dos contributos dos diversos institutos históricos dos Açores, que têm contribuído igualmente para o aprofundamento do
conhecimento da História da região.
Sendo um livro de escrita simples, sem recursos estilísticos pretensiosos, talvez muitos dos leitores não se apercebam da extrema dificuldade que a sua produção representa. Com efeito, a autora cobre temáticas e cronologias tão variadas que entra amiúde em assuntos e épocas de que não é especialista, mas fá-lo sempre com segurança e autoridade. Quando nos dá exemplos particulares sobre determinadas conjunturas não se refugia nos temas que trabalha habitualmente, mas proporciona-nos antes referências dispersas por todo o arco cronológico coberto pelo livro. Além disso, esta obra enquadra com precisão a história do arquipélago nos seus contextos geo-políticos. Assim, ao lermos Açores: Nove Ilhas, uma história, estamos também a acompanhar a História do Portugal Moderno e Contemporâneo, bem como a História do Atlântico.
Na conclusão, a autora vinca a originalidade da História dos Açores – uma história que se harmoniza mas não se confunde com a História nacional, o que é certo, mas que se poderá dizer de qualquer outra região do país, cada uma marcada pela sua geografia, pelas suas próprias lutas e, consequentemente, pela sua própria originalidade.
Livro de síntese, a obra de Susana Goulart Costa consegue ainda assim ser também um livro que abre propostas novas que podem vir a animar o debate historiográfico nos próximos tempos, ou que possibilitarão uma melhor percepção do modo como dinâmicas do Passado actuam no Presente.
Particularmente importante pareceme ser a ideia de que o velho modelo que procura compreender a estruturação do Império numa relação entre centros e periferias pode ser encarada ao contrário do que é habitual. O historiador costuma olhar para as metrópoles e as capitais imperiais e provinciais como centros e para as restantes áreas como periferias, mas Susana Costa mostra que ao centrarmo-nos na
História dos Açores, as ilhas passam a constituir o centro e Lisboa passa a ser a periferia (p. 68). Lembra também que na longa duração os Açores conheceram muito maior autonomia nos séculos passados, apesar de estarem sujeitos a um enquadramento legal centralizador, do que hoje quando a região goza de uma autonomia consagrada na Constituição da República (p. 87). Ao lembrar o papel
desempenhado pelo arquipélago no apoio às comunicações e à circulação atlântica, desde os primórdios do Império com o apoio à “volta da Mina”, passando pela escala da Carreira da Índia, pela navegação a vapor, pela instalação da comunicação por cabo, ou pela concessão de bases aéreas a potências estrangeiras, a autora remata esta longa continuidade com a recente inauguração de uma estação de rastreio de satélites, ocorrida em 2008.
Susana Goulart Costa mostra-nos igualmente o paradoxo de a globalização ter tornado os Açores dependentes do exterior no campo da alimentação, pondo fim “a um dos caracteres mais antigos da sua economia: o vector da auto-suficiência”, um fenómeno que “depauperou ainda mais a actividade agrícola das ilhas mais férteis, mas beneficiou as que historicamente sempre foram mais carenciadas” (p. 125).
Historiadora que não se sujeita a modelos apriorísticos, Susana Costa ilustra bem as contradições próprias da História quando evoca o discurso proferido pelo bispo dos Açores a 22 de Fevereiro de 1845 marcado por uma linguagem liberal, numa época em que a Igreja se encontrava claramente do outro lado da barricada no contexto das lutas políticas que continuavam a dilacerar o país (p. 244).
E também em matérias de religião, as reflexões da autora vêm até 2008, ano em que na diocese de Angra não houve nenhuma ordenação sacerdotal.
Tem aqui, o leitor alguns dos “fragmentos” com que Susana Costa alicerça o seu livro Açores: Nove Ilhas, uma história. Esta é, pois, uma obra de excelência, de leitura acessível que se recomenda, e que, pessoalmente integrarei nas listas bibliográficas das disciplinas e seminários sobre História da Expansão que dirijo na Universidade Nova de Lisboa.
João Paulo Oliveira e Costa in BOLETIM DO NÚCLEO CULTURAL DA HORTA N.º18 2009