Monginho, Julieta
- DICIONÁRIO DOS LIVROS SENSÍVEIS,
Colecção Campo da Literatura nº 55,
Porto: Campo das Letras, 2000.
104, [1] p. ; 21 cm - Brochado.
Exemplar novo.
1ª edição
€9.20
Iva e portes incluídos.
A sensibilidade dos livros
Julieta Monginho escreveu um dicionário de histórias relacionadas com a memória dos livros sensíveis. Onde a vida é guiada pela força da ficção.
Depois de publicar três romances ("Juízo Perfeito", "A Paíxão Segundo os Infiéis" e "À Tua Espera"), Julieta Monginho concebe um singular "Dicionário dos Livros Sensíveis". Dicionário? Sim, do título "abandalhar-se" até "zê" percorremos as letras do alfabeto, não em busca de definições mas de descrições, inspirações e sensibilidades. Cada pequena história apresenta, numa relação inquebrável entre a vida e os livros, fragmentos de leituras e paixões que sugerem os "livros sensíveis" da história da humanidade.Que livros são estes? Entre muitos outros, encontramos referências aos incontornáveis: "Poesia Toda" de Herberto Helder, "Jacques le Fataliste" de Diderot, "Palomar" de Calvino, "Dom Quixote" de Cervantes, "Os Dias Felizes" de Beckett. Através deles é criada uma situação que lhes está próxima por associação de quem lê. Através deles é tecido um comentário ou, por outras palavras, é apropriado um sentido pessoal e afectivo. Como se se quisesse traçar, através da liberdade do leitor, um percurso possível para a recepção de cada livro.As histórias contidas no "dicionário" aclamam a claridade dos pequenos gestos, essenciais como fixação do passar do tempo. Munidas de elementos imprevisíveis e desenlaces originais, estas histórias são construídas na estreita ligação do livro, que directa ou indirectamente referenciam, com o enredo da própria história. A vida das personagens é de tal maneira atravessada pela aprendizagem dos livros que se misturam as suas ficções com a de Julieta Monginho. Este carácter intertextual, não sendo totalmente inovador, acrescenta sempre duplos sentidos ao que é contado e trabalha, sobre um universo em aberto, as possibilidades da subjectividade literária.É da passagem dos livros pela nossa vida e da incontrolável influência que podem ter sobre ela que trata este livro. Num simples desejo de evasão ou numa crença de indubitável esperança, os livros reflectem-se no modo de agir e de pensar dos leitores. Os livros transportam as situações bizarras e grandiosas de acasos e amores para a vida de quem lê. Ironicamente, alguns passos do quotidiano reclamam uma marca deixada por um livro, como um sinal que ilumina o vazio da existência. E esse sinal acende vozes interiores: "até que a chama aflora a página do livro aberto sobre o colo e todo o vazio se transforma devagar num mundo cheio de luz."Julieta Monginho conta-nos episódios desta intensa cumplicidade, em que os livros são determinantes para as resoluções difíceis e ensinam verdades intemporais, levam a abraçar aventuras, possuem um encantamento de infância e a atracção dos apaixonados. Os livros perseguem as pessoas num convívio quotidiano como se fossem um dos quatro elementos. Para quem escreve, fica o elogio da persistência, da capacidade de ultrapassar os limites castradores da realidade. O escritor cria mundos, refaz o conhecimento já existente e, através da atenção dedicada aos pormenores, acrescenta sempre um outro olhar. É nesse olhar que "depois, adquire ele próprio a leveza de um balão, levanta voo, eleva-se, sem asas, sobre os prédios e a torre mais alta da cidade, desaparece enfim, o escritor, mistura-se com os astros, persegue a sua ideia"."Dicionário dos Livros Sensíveis" relembra a necessidade de efabulação como engradecimento do ser, reduto da liberdade criativa, em que as marcas dos "livros sensíveis" concedem uma crescente sensibilidade para a própria vida. A escolha do quadro de Paula Rego que ilustra a capa deste livro, "Wendy cosendo a sombra de Peter Pan", não poderia ser mais adequada. As sombras de histórias que eternamente são tecidas e retecidas, na esperança de nunca acabar.
Marta Lança 17 de Fevereiro de 2001 (Público)
MMSARD