LOU ANDREAS-SALOMÉ: a aliada da vida - Stéphane Michaud


Michaud, Stéphane; 
Curvelo, Teresa (trad.) 
- LOU ANDREAS-SALOMÉ: 
a aliada da vida
Colecção Clepsidra. Retrato & Memórias, 
Porto: Asa, 2001.
375, [1] p. : il. ; 24 cm - Brochado.
Muito bom exemplar.
1ª edição
€17.00
Iva e portes incluídos.


Do lado da vida
Clara Rowland 10 de Novembro de 2001,(Público)
A partir de um apurado trabalho de investigação, Stéphane Michaud concebeu "Lou Andreas-Salomé - A Aliada da Vida" como uma biografia capaz de libertar da lenda uma figura com um percurso de inquestionável valor literário, científico e filosófico.
No mesmo ano em que se publica, na Cotovia, a biografia de Kafka pelo italiano Pietro Citati (ver páginas anteriores), as Edições Asa vêm propor um trabalho de grande fôlego sobre a vida de Lou Andreas-Salomé. A tradução destas obras, que pode ser reveladora de um interesse crescente pelo género, permite também acompanhar diferentes modos de perseguir um mesmo objectivo: capturar, numa obra que se quer num género de fronteira, a experiência biográfica e literária de grandes figuras. "Lou Andreas-Salomé", de Stéphane Michaud, tem, no entanto, um horizonte e uma ambição muito diferentes das que podem mover um autor como Citati. Se, de Kafka ou de Proust, Citati procura capturar (segundo o subtítulo de "Kafka") "as profundezas de uma alma" num texto em que ficção e biografia propositadamente se confundem, "Lou Andreas-Salomé" destaca-se de imediato por uma sobriedade e por um rigor documental que definem um projecto diferente.Michaud, professor de Literatura Comparada, ensaísta e escritor, dedicou anos da sua vida à preparação desta obra. Num breve prefácio, define os termos da sua pesquisa: reconstituir, através do acesso aos arquivos até agora interditos de Lou Andreas-Salomé, às edições em curso do material inédito ou parcialmente conhecido dos arquivos freudianos e à reprodução integral da correspondência entre Salomé e Anna Freud, um percurso biográfico que a própria escritora quis deixar lacunar e intermitente. Esta tarefa, que se quer completa, afirma-se sem precedentes. A biografia é, de facto, extremamente documentada, e insere-se num plano de recuperação da figura de Lou Andreas-Salomé que passaria pela edição da sua obra completa (na sua maior parte inédita ou dispersa), como ela própria desejou. Desvinculá-la da lenda que sempre a rodeou (justificada pelos nomes e escândalos associados aos nomes de Nietzsche ou de Rilke) para dar a conhecer o valor literário, científico e filosófico do seu percurso equivale, ao mesmo tempo, a situá-la na viragem de século e no quadro histórico de uma Europa em evolução.Tendo como contraponto a rígida selecção dos factos da sua vida operada por Lou nos seus diários e finalmente nas suas "Memórias" (a que o autor dedica uma interessantíssima análise no último capítulo, "O Esplendor da Memória"), Michaud contorna, respeitando-os, os seus silêncios, recorrendo a cartas, poemas, ensaios das pessoas com que se relacionava para tentar dar, de uma figura tão vasta e multifacetada, um retrato poliédrico. Dela, dirá Rilke: "Não conhecia então, e não conheci depois, ninguém que tenha de tal modo a vida do seu lado e que, tanto na doçura como no horror, saiba reconhecer a força única que porventura se disfarça, mas não deixa de ser uma dádiva, mesmo quando mata."Na tentativa de captar a força vital que fascinou todos os que a rodearam, Michaud traça um percurso biográfico em torno dos grande temas que virão também a estruturar as "Memórias", da "experiência de Deus" e do conhecimento do amor com Gillot ao trio amoroso formado por Lou, Paul Rée e Nietzsche, da relação com Rilke (e a experiência russa, determinante para ambos) ao encontro com Freud e com a Psicanálise. Convocando todas as artes - a sua escrita, a escrita daqueles com quem conviveu, a sua longa actividade de crítica literária e de teatro, a análise e os seus contributos para o desenvolvimento teórico da ciência -, a figura de Lou, entre a Europa das grandes capitais e um fascínio profundo, religioso, pela terra russa, é recuperada em toda a sua complexidade.Que a análise de Michaud tenda constantemente para uma abordagem psicanalítica não é surpresa num texto que, de forma tão clara, transmite o fascínio por uma personalidade que, aos cinquenta anos, encontrou na Psicanálise a síntese das suas grandes tensões e a grande realização de um projecto pessoal. Para Lou, esta terminou por condensar todos os seus interesses, mantendo-a empenhada no seu trabalho de analista até ao fim dos seus dias: a sua escrita, a sua cultura, a sua fome de conhecimento e a absoluta, terrível liberdade que sempre a caracterizou foram encontrar sob a alçada de Freud uma forma artística única, que tudo traduzia. A ela Freud irá recorrer para apoiar e ajudar a formação da filha Anna. A sua longa e profunda amizade com os dois, pai e filha, e o seu papel determinante na estreia de Anna na Psicanálise, fizeram dela a grande aliada da família nos anos difíceis da ascensão do nazismo. Talvez seja a capacidade que teve de incitar e acompanhar os percursos individuais daqueles que amou, como Nietzsche, Rilke, Anna e os seus muitos "filhos adoptivos", a fazer com que dela - para além do reconhecimento dos contemporâneos - pouco tenha ficado. Esta biografia, inteligente e equilibrada, dedicada e atraída pela figura que tenta capturar, recupera de certo modo, para Lou, o papel que ela própria quis apagar. E talvez nela nos fascine aquilo a que Truffaut, a propósito do romance "Jules et Jim", chamará "moralidade estética". De si, a Rilke, Lou Andreas-Salomé dirá apenas: "Porque eu nunca possuí outra força, Rainer, a não ser a que cabe por nascimento à alegria."

MMSARD