Eiras, Pedro
- ANAIS DE PENA VENTOSA: romance,
Colecção Campo de Estreia nº 31,
Porto: Campo das Letras, 2001.
391 p. ; 21 cm - Brochado.
Prémio Literário António Cabral
Prémio Oceanos (finalista)
SINOPSE
"Portucale é terra sombria e rígida, casario concentrado nalguns pontos estratégicos e cercado por imensidão de bosques mal conhecida, como se fosse a cidade enorme clareira ameaçada pela floresta ignota."
Uma parte dos portuenses terá já escutado a misteriosa história de um túnel que, rasgado a partir da Sé, atravessa o Douro e desemboca algures em Gaia. É apenas uma lenda, talvez passada de uma geração a outra, mas sem nada de palpável que lhe sirva de confirmação ou desmentido. Trata-se, pois, de um mito urbano cuja origem se perde e que, por isso, não é merecedor da devida atenção ou, sequer, de uma divulgação que o amplie e exagere para eventual comoção dos turistas que visitam o centro histórico património mundial. O túnel, porém, existe. Está, pelo menos, materializado no romance Anais da Pena Ventosa, de Pedro Eiras, no qual se conta como o jovem monge Bonifácio, acossado por dúvidas metafísicas, fica a saber do segredo pela boca ébria de Randulfo Mendes, pai do seu amigo Silvestre. Espevitado por uma pouco católica curiosidade, conseguirá encontrar a entrada da escura galeria e, explorando-a, fica a saber que várias bifurcações desembocam numa caverna enorme, com "espaço capaz de conter dez, vinte ou cem catedrais como a que construímos no alto deste monte". Com o tempo, Bonifácio descobrirá que um dos túneis conduz à praia de Gaia, diante do monte em que se ergue a cividade de Portucale. Tal como na lenda, portanto.
Pelas referências até aqui adiantadas se terá já entrevisto que a narrativa de Pedro Eiras se situa na Idade Média. Assim é. Anais da Pena Ventosa percorre o período que vai de 1113 a 1120, acompanhando a chegada do bispo D. Hugo a Portucale, as querelas e intrigas tendentes ao alargamento dos domínios dependentes do bispado portucalense e a doação do burgo por dona Teresa (da qual o Porto só se libertou em 1406, faz em Abril 600 anos). Do mesmo passo se segue a luta interior em que o jovem monge se debate, dividido entre o Bem e a tentação, a natural curiosidade da espécie e uma concepção segundo a qual o conhecimento e a instrução deviam cingir-se unicamente às palavras da Bíblia.
Os pretensos Anais são, de resto, obra do jovem Bonifácio, que os escreve na sua cela, num "pergaminho mui ocultamente roubado ao mosteiro", com o intuito de louvar a D. Hugo. Amigo de Briolanja, que adora Alá e não Cristo, e de um Herbanário ateu, dividido entre as verdades inamovíveis da Bíblia e A Arte de Amar, de Ovídio, Bonifácio empregará mais tempo ao tratamento das suas dúvidas existenciais do que ao objectivo primeiro da sua escrita.
Ainda assim, Anais da Pena Ventosa serve também, ao habitante do século XXI, de veículo a um sempre curioso mergulho na Idade Média portuense. Ainda que Pedro Eiras, no prólogo, avise que não foi sua intenção "respeitar a verdade histórica da Idade Média", narrando "não o que foi, mas o que podia ter sido", o livro é um retrato possível desse Portucale do tempo do bispo D. Hugo, então recém-chegado à cidade. "A vila fumega e murmura. Coze-se o pão, martela-se o ferro - e tudo isto se ouve e cheira. Levam-se animais a pastar, agora que as colinas têm erva. Pede-se esmola, conversa-se. Os homens bebem vinho se faz mais calor".
Pelos Anais de Bonifácio/Pedro Eiras se fica a saber que Portucale não era grande, pois "em pouco tempo se circunda tôdolo espaço, se atravessa a Vila e passa o burgo, brevemente se avança sobre os escassos campos cultivados". Que a urbe estava dividida em dois, a vila (ou cividade) de um lado, do outro o burgo da Pena Ventosa, e que não imperava a limpeza, malgrado D. Hugo tenha entrado numa cidade limpa como nunca se vira ("O mor das vezes sujam-na com excrementos"), cujas ruas "eram estradas de ramos e flores e ervas de bons cheiros".
"Portucale é terra sombria e rígida, casario concentrado nalguns pontos estratégicos e cercado por imensidão de bosques mal conhecida, como se fosse a cidade enorme clareira ameaçada pela floresta ignota". O pão cozia-se no Largo do Forno da Pena Ventosa, a catedral era pequena, em Cedofeita existia uma ermida e, no lugar de Mijavelhas, iam a enforcar os gatunos, assassinos e blasfemos.
Pelo Largo dos Açougues e pela Rua de Palhais, pela Igreja de Santa Maria de Portucale e pela Rua das Tendas, Bonifácio leva-nos, pois, a viajar por um Porto de outros tempos: "Brilham assim as casas, as árvores da floresta, brilham com fulgor o Rio da Vila e as águas do Douro, brilham as muralhas altas do burgo e as casas silenciosas da Igreja. Estão fechadas e bem guardadas as quatro portas destas antiquíssimas muralhas": São Sebastião, Sant"Ana, das Mentiras e da Vandoma - .Jorge Marmelo Público (19 de Março de 2006)
Muito bom exemplar.
1ª edição
€16.00
Iva e portes incluídos.
MMSARD